AS LUTAS SOCIAIS NO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DO PODER POPULAR

Nem centro nem periferia: outras geografias, calendários e pedagogias

Junho de 2013 é um marco para o Brasil: momento singular em seu processo histórico de lutas sociais do período recente. Há uma ampliação das margens da política de nossa época. As manifestações que tomaram nossas ruas e oxigenaram a atmosfera social com ares de contestação da ordem vigente nos possibilitam mais espaço para descolonizar a política controlada pelas astúcias do poder dominador.

Não é à toa que se fala em Primavera Brasileira. Mas esta primavera não dará seus frutos por mera geração espontânea: é necessário trabalhar ora mais dura ora mais suavemente, para que haja uma realidade digna de assim ser chamada e que seus frutos tornem farta nossa mesa da solidariedade e independência de classe.

Precisamos aprender de maneira diferente, engajadas/os em práticas sociais que fomentem esta outra perspectiva a fim de construir horizontes próprios nossos. Por isto falamos em outras geografias, calendários e pedagogias. Dentro da luta de classes, devemos mudar muitas lógicas de saber-poder para que desde já originemos nossos horizontes, ocupando o espaço e o tempo para gestar o que desejamos fazer nascer.

Dai que também falamos nem centro nem periferia. Contra qualquer forma centralista de poder, que necessariamente constrói suas margens e gera antagonismo de classes: opressores (exploradores/elitista/centro) e oprimidos (explorados/popular/periferia). Nossa trincheira é contra os esquemas de dominação que vêm se desenvolvendo historicamente, conseguindo vencer as forças de resistência que ainda não avançaram para um patamar de organização que lhes possibilite ser vitoriosamente mais poderosos diante da luta.

Desenvolvemos aqui uma análise critica e propositiva no sentido de fortalecer o campo combativo de esquerda para enfrentar o neoliberalismo e colaborar para a construção do Poder Popular.

 

O Movimento Passe Livre na luta de classes

O MPL é resultado de uma experiência de luta com cerca de dez anos dentro de um tema central que é o transporte coletivo, no jargão dos direitos, um direito-meio, atrelado a outros. Um direito que influencia nas condições de exercício da livre circulação das pessoas no espaço-tempo social, interferindo na conformação das subjetividades e imaginário social, nas condições materiais e imateriais da tensa relação regulação-resistência social.

Neste contexto, o MPL cumpre uma importante função fomentadora de potenciais populares de revolta. Um movimento social na contramão da lógica privatista e legitimadora das apropriações que mercantilizam os meios fundamentais para se viver: os transportes devem servir para os sujeitos sociais poderem transitar a fim de acessar ou mesmo criar caminhos os mais diversos para seu destino. Relaciona-se com o que se tem chamado de direito a cidade.

Muita gente pouco consegue se deslocar ou busca meios alternativos: caminhando ou pedalando, que são duas alternativas limitadas, de acordo com as pessoas. As tecnologias motorizadas que potencializam os meios para o atendimento desta necessidade do livre trânsito estão submetidas aos domínios da propriedade privada capitalista que se tenta naturalizar de modo que retroalimente toda a cadeia de acumulação de capital ao passo que garante melhores condições para a manutenção da engrenagem de produção de subjetividades politicamente dóceis e economicamente úteis a toda sorte de sistemas autoritários.

Com tal nível de exploração que se pretende perpetuar, pela dominação da mente ou força física, o meio social se constitui em algo como um barril de pólvora prestes a explodir. Daí que podemos dizer que o MPL colaborou para que fosse acesa a faísca que faltava para eclodir um amplo movimento de revolta fruto de uma enorme gama de efeitos da dominação capitalista. Apesar de o que possa ser acaso histórico, é importante reconhecermos o papel deste movimento em fomentar permanentemente a ideia do Passe Livre que influencia na vontade coletiva de reação, espírito de combatividade pulsante e contido nas artérias do corpo social.

Entendemos o Passe Livre como parte do que chamamos de campo libertário, o que se expressa em seus princípios. Federalismo, horizontalidade e autogestão social são algumas das bases deste coletivo que subverte as regras do jogo político autoritário e neoliberal bebendo da fonte da tradição libertária e organizada, mesmo sendo um movimento mais aberto em relação a outros que tem uma estrutura mais dura.

Não é por acaso a convergência deste espírito militante com a enorme insatisfação social com a política institucionalizada. É importante destacar que o nível de saturação com este sistema tem crescido, o que, em tese, cria melhores condições para semear no meio social as sementes da organização popular, cultivar as condições para o fortalecimento da cultura combativa do povo. A luta na rua precisa ser uma escola, mas só ela não é o suficiente para avançarmos em força social que consiga mudar a geografia do poder atual.

 

Ação direta como escola e ferramenta de luta

Assim melhor entendemos este terreno para nele termos maiores condições de influenciar, bem como o sentido, uso e repartição do tempo social, que influencia em toda a organização da vida em sociedade. Daí mexemos nos calendários do poder, nos tempos quase soberanos das burocracias que tem na exploração do trabalho burocratizado um de seus meios de controle. Os termos precisam ser invertidos: o povo que precisa dar as regras e arbitrar o jogo a ser por ele mesmo inventado, assim como permanentemente atualizado. Esta é a escola onde aprendemos e partejamos o mundo que, lutando, ambicionamos.

Quando as manifestações recentes eclodiram, houve grande perplexidade da classe dominante e na sequência um processo de agilização de alguns projetos engavetados nas instâncias estatais. Apesar de ser ínfimo, não podemos deixar de reconhecer como conquista, em termos pragmáticos, simbólicos e organizativos. Diversos setores da sociedade, distintamente organizados, com pressão social para fazer valer sua vontade, conseguiram barrar o aumento de passagens, influenciar na agenda política institucionalizada (ex: derrota da PEC 37), embora que infimamente, uns mais, outros menos, criando melhores condições para a luta avançar.

Sem dúvida, uma lição básica a tirar é a de que autonomia e solidariedade de classe são mais que palavras na ação direta. Fundamentalmente encarnam nossa disposição política para transformar a realidade com compromisso militante para sua ampla e firme sustentação por meio da construção do Poder Popular. Por isto, insistimos, nossas urgências não cabem nas urnas, como também nas ruas. Esta é parte da nossa luta, que vai além, e tem nestes momentos espaços possíveis para dar saltos qualitativos na atmosfera social e contagiar mais amplamente setores da sociedade com o espírito combativo necessário ao enfrentamento da atual sociedade de controle.

Para além das ruas: sempre ombro a ombro com a classe

Nem a frente, arrastando, nem atrás, sendo arrastada. Nem também se trata de ouvir as vozes que vem das ruas: precisamos estar em diálogo com estas em sua enorme diversidade, porque somos parte delas. Devemos ser presença atenta para colaborar na organização das indignações e potenciais de revolta rumo a um caminho de ampliação da forca social de luta em perspectivas de curto, médio e longo prazos. Nem todas/os estarão dispostas/os a atuar local e globalmente. Todavia, é central: a luta imediata precisa ser compreendida como parte de um contexto mais amplo contra um conjunto de forças que nos oprimem. Isto tem a ver com o chamamos de classismo e programa anarquistas.

Neste âmbito, falamos de uma esfera que não é apenas a do movimento social. Em geral, as lutas mais específicas não se veem vinculadas a questões que abarquem uma gama de batalhas e dimensões da realidade que vão além de seu grupo ou movimento. É importante haver instâncias de fortalecimento da luta para além da organização popular, espaços aglutinadores de militantes de origens distintas unidas/os por esta opção de classe a fim de mudar as linhas da geografia do poder bem como seus calendários.

Vale então destacar nossa compreensão deste desenho que deve tomar as forças de luta. Basicamente há o nível social, sócio-político e o político. Trata-se de uma maneira simples e coerente com os princípios libertários de como deve ser desenhado o campo de luta enquanto gestamos desde já a outra realidade possível que tencionamos construir. Os fins já devem estar contidos nos meios, engravidando e partejando a realidade. Colheremos o que estamos plantando, pacientemente no longo parto da história.

Tal visão é fruto de autocrítica e aprendizado na história de nossa tradição. Além da luta direta dos movimentos em termos imediatos, é necessário que existam espaços de articulação destas lutas, nível sócio-político, bem como outra instância, a da organização política, que devem se constituir suficientemente fortes para resistir a momentos turbulentos como o atual e maiores.

A organização política é um organismo com mais fôlego em diversos aspectos e cumpre o papel de colaborar na potencialização das forças sociais de luta visando fortalecer a classe popular na tarefa histórica de destruir a dominação hegemônica capitalista e estatista de hoje. Ocupa-se de tarefas para as quais os movimentos específicos não tem fôlego e taticamente desuniriam a classe se fossem pautadas dentro dos movimentos. Aqui entra nossa concepção de ideologia – no marxismo, “falseamento da realidade”, contrário ao que defendemos.

Ideologia é o conjunto de ideias, crenças, aspirações que temos para a realidade. É o que chamamos de socialismo libertário ou anarquismo. Não é ciência, é política. É do campo da organização política e não deve ser a pauta do movimento social.

O termo partido ficou carregado por valores nos quais não nos reconhecemos porque, inclusive, contra nós mesmos atuaram historicamente, apesar de já termos reivindicado o termo em nossa tradição, sob outro conteúdo (federalista, no caso). Hoje utilizamos a expressão organização política para expressar esta ideia de um organismo que não esfalece diante do poder opressor e que possa aprender e ensinar na própria luta, atravessando adversidades mais sérias.

A opção de linguagem é fruto de uma concepção diferente e se reflete em nossa prática política. É de forma e de conteúdo. Naquela divisão dos âmbitos, por exemplo, a organização política estabelece relação de influência mútua com o âmbito social. Organicamente, militantes com definição ideológica e atuação em movimentos sociais se unem na instância política para construir melhor preparação para a luta a fim de que esta dê frutos consequentes e consistentes rumo à construção do Poder Popular.

Desta maneira, não podemos deixar de destacar que quem faz a revolução não é a esfera política: é o povo com a autodeterminação de suas organizações! A organização política deve influenciar saudavelmente, bem como é influenciada, sem ideologizar o movimento. As organizações sociais e populares não são correia de transmissão dos partidos, como costumamos ver e ouvir tão corriqueiramente nestes tempos de figuras partidárias desgastadas.

 Indicações para autocrítica e agenda da esquerda combativa

Neste sentido, julgamos que é de enorme centralidade a dimensão da autocrítica para o fortalecimento desta esquerda, sobretudo diante de suas muitas falhas que resultam no desmonte das lutas sociais e no crescimento quase onipresente e onipotente do neoliberalismo.

O elevado grau de dispersão e confusão da “massa” é um indicador do fracasso da esquerda em organizar as indignações da sociedade, o que se relaciona à falta de trabalho de base e distanciamento do povo. O modus operandi desta opção política tem levado ao quadro atual de crescimento de um imaginário social de aversão a política e tudo o que lhe diga respeito. Quem entra no jogo está interessado em “ganhar o seu” ou é massa de manobra das cúpulas partidárias.

A opção, neste caso, é por ocupar cargos de direção, seja no movimento ou no Estado, enquanto a base vai a reboque nesta lógica, sendo desmobilizada, como podemos ver no atual contexto sócio-político. Temos um claro desmonte de movimentos sociais outrora bastante atuantes que fizeram parte de um período histórico que, depois, levou à conformação de toda uma cadeia de ocupação de cargos ou criação de instituições burocráticas sociais ou mesmo estatais. É justo que a sociedade de várias maneiras esteja revoltada contra esta lógica que tem destruído os movimentos de luta.

Isto se expressa na reação das pessoas diante das bandeiras e símbolos desta linhagem de política institucional. Não é uma coisa simplesmente orquestrada pela direita nazifascista, junto com seus organismos midiáticos, etc. É resultado de um histórico de cinismo político que parece querer brincar com a vontade do povo.

Contudo, não somos favoráveis ao ato de baixar à força as bandeiras da companheirada na rua se manifestando. Nossas divergências ideológicas e teóricas não nos dão o direito de agir assim com outras forças políticas hoje, mesmo que estas façam parte de organizações autoritárias que historicamente nos reprimiram. Estas organizações precisam de um profundo processo de autocrítica porque a reação que recebem pode ser indício de perda real e irrecuperável de sua legitimidade social.

Vale destacar que primamos pelo protagonismo popular. Mais valem levantadas as bandeiras das organizações sociais e populares combativas de que as das organizações políticas. Também há um debate crucial a respeito de questões que supostamente seriam de origem técnica, de linguagem, mas que são fundamentalmente políticas. Problemas que envolvem opção de classe. É necessário ter-se muito cuidado para não cair nas armadilhas do discurso técnico.

Portanto, ação direta “na veia”! Garantir a disposição de ocupar a rua a fim de pressionar as burocracias e cada vez mais ampliar nossa forca social de luta; fomento permanente de diversos tipos de ações nas periferias do poder para garantir melhores condições de reconhecimento da necessidade de autonomia e solidariedade da classe, visando nossa melhor organização.

Como pautas mínimas mais específicas, lutar por forçar a ampliação do espaço de poder do povo na gestão dos transportes; passe-livre para toda a população; fortalecer a solidariedade pela libertação dos presos políticos e campanha contra a criminalização da pobreza e das lutas. Desta maneira, é necessário ir além da esquerda punitiva porque “todo preso é um preso político”. O discurso criminal camufla os conflitos sociais querendo esvaziar toda sua carga política. Isto faz parte do governo da miséria através de um sistema penal. Afinal, “o povo é revoltado; violento é o Estado”!

 

Anarquia? Só sendo socialista! Socialismo? Só sendo com liberdade!

 

Lutar, criar poder popular!

 

Núcleo Negro

Junho de 2013

DECLARAÇÃO DO IV ENCONTRO NORDESTE DAS ORGANIZAÇÕES ANARQUISTAS ESPECIFISTAS

De 14 a 16 de novembro realizamos o IV Encontro Nordeste das Organizações Anarquistas Especifistas. Desta vez também contamos com a presença do Coletivo Anarquista Ademir Fernando (CAAF) da Bahia e da região Norte, o Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC). O Encontro foi marcado pela comemoração dos 5 anos de existência da Organização Resistência Libertária (ORL), bem como evidenciou a confluência das análises realizadas pelas 6 organizações políticas presentes acerca do período recente das lutas sociais no Brasil e seus apontamentos futuros.

Vale ressaltar nossa imensa alegria e avanço politico de ter presente a companheirada do norte do país, que reassume seu posto na luta – porque já vem de uma geração anterior do anarquismo especifista. Retoma os trabalhos em um rico encontro de gerações fraternalmente associadas pelo sincero e combativo espirito anarquista fundado em princípios caros a nossa tradição, como são o apoio mútuo, a solidariedade e independência de classes, a ação direta, a autogestão, entre tantos outros que nos nutrem para continuar na luta pelo socialismo libertário.

Nosso internacionalismo, entretanto, não nos faz deixar de refletirmos sobre o solo em que pisamos. Salvando as devidas diferenças históricas, as regiões Norte e Nordeste guardam inúmeras semelhanças desde a origem da invasão brasileira, onde, deveria ser explorado ao máximo ambas as regiões, sem necessidade de contrapartida. Hoje ainda temos que lidar com uma estrutura arcaica que mantém altos índices de analfabetismo e sucateamento escolar, jovens vítimas de armas de fogo, insuficiência e precariedade no acesso à saúde pública, desnutrição e “comercialização da seca” em pleno século XXI, traços estes marcantes de uma herança coronelista e provinciana. Estas e outras questões ampliam a necessidade de pensarmos para além do teto, sem tirarmos os pés do chão. As imagens vendidas pelos grandes empresários e governantes destas regiões contrastam com a realidade da classe oprimida que sobrevive com suor no rosto e sede de luta. Nesse cenário, nossa estratégia especifista vem avançando, pois pensamos o todo sem deixarmos de considerar os sotaques e particularidades distintas, que se unem na luta anticapitalista pela construção de um Povo Forte e pelo Socialismo Libertário.

Este rico encontro regional e geracional nos possibilitou melhor compreender que “junho não começou em junho”: as jornadas de lutas populares já vêm de longa data! Não cremos nas palavras tão difundidas de que o gigante acordou, porque a periferia nunca dormiu: ela precisa estar sempre muito alerta para continuar resistindo aos terrorismos do estado, diuturnamente! Afirmar que o povo acordou seria a negação das inumeráveis batalhas cotidianas e históricas presentes no Brasil (e em todo o mundo, porque internacionalista!), de norte a sul. São as lutas indígenas, quilombolas, das mulheres, dxs obreirxs, dxs desempregadxs, dxs sem teto, sem terra, entre outrxs oprimidxs que se confundem, se encontram, sofrem e resistem a toda sorte de serem as periferias dos poderes centralizadores.

Mesmo assim, a tendência majoritária da opinião pública fabricada consiste no esquecimento de nossa ancestral luta contra a dominação. Exemplo recente desta combatividade invisibilizada são os setores (porque alguns estão fragilizados) dos povos originários no norte do país em enfrentamento às forças do capital que só estabelecem relações predatórias, levando-os, no limite, ao suicídio coletivo. As demonstrações desta autodestruição são muitas e cada vez mais crescentes, ancoradas, por exemplo, em uma lógica neodesenvolvimentista que casa com as identidades de países emergentes aspirando “sentar à mesa” das chamadas superpotências, retroalimentando os ciclos de dominação global. O BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é uma expressão destes agrupamentos de interesses de capitais transnacionais na sua busca por força a fim de fazer frente aos estados mais fortes até então.

Há várias ações de sustentação em âmbito local e regional deste panorama atual do capitalismo globalizado. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é só uma pequena parte em escala nacional do que na América do Sul esta sendo chamado de Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA). Esta iniciativa pode ser considerada uma nova Aliança para o Livre Comercio das Américas (ALCA), porém muito mais astuciosa e eficiente, uma vez que figura como se fosse um processo livre do sul da América em seu próprio benefício, utilizando-se, inclusive, do discurso da integração regional com referências a notáveis figuras que se firmaram neste imaginário como mártires da luta contra o colonialismo e pela independência.

Estão sendo construídas rotas diversas para a facilitação do fluxo de matérias-primas em nosso subserviente capitalismo extrativista e importador de produtos. Os megaeventos entram nesta cadeia produtiva econômica colaborando politicamente para que se gere uma série de pressões sociais no espaço urbano, materializando as políticas de higienização social e gentrificação das cidades. Quem se localiza na periferia do poder é jogado ainda mais para escanteio, empurradxs cada vez mais para as margens territoriais deste mundo hegemonizado pela injustiça!

Nos campos e nas cidades, as forças predatórias do capital se expandem. A UHE Belo Monte (na bacia do rio Xingu, município de Altamira no Pará) é um caso emblemático dentro desta nossa leitura, porque é expressão destes megaempreendimentos alimentados pelo neodesenvolvimentismo que ignora o respeito à natureza e aos modos de vida dos povos indígenas, ribeirinhos, caboclos e camponeses em geral.

Já as manifestações iniciadas em junho de 2013, bastante midiatizadas, deram maior visibilidade a diversas questões e contradições sociais existentes, bem como inúmeras bandeiras de luta. Em meio à Copa das Confederações da FIFA no “país do futebol”, adveio uma ebulição social inesperada que levou às ruas multidões de pessoas, rompendo com um período de refluxo de grandes movimentações no meio urbano. Contudo, a maré de levantes deve ser analisada com profundidade em relação ao seu conteúdo político no sentido de não ficamos a mercê dos movimentos transitórios. Devemos aprender mais e melhor a desenvolver as forças sociais na perspectiva de pôr fim aos sistemas de dominação.

O modelo de manifestação vendido pela “opinião pública” consistiu na ampla marcha cívica, na participação passiva, na passeata pela liberdade abstrata, em detrimento das pautas sociais vivas, embora em muitas cidades o estopim tenham se dado a partir de problemas específicos, como o Passe Livre e a Copa do Mundo. Restou evidenciado o discurso pacifista do “não vandalismo”, a tímida presença de movimentos sociais e organizações sindicais de base, o recrudescimento da repressão policial, midiática e judicial, regado por um forte nacionalismo febril que pairou no ar. Precisamos de mais agudeza na análise e dureza na atuação para revirar o jogo! Diante da ampla repressão e toda sorte de perseguições sofridas pelo povo lutador, foi inevitável também o desgaste da imagem do Estado e dos Governos, tanto no cenário local quanto internacional, em um momento em que o Brasil se lança em forte campanha no panorama exterior como um grande país em vias de desenvolvimento, sediando diversos eventos mundiais, a exemplo das Copas e da Olimpíada.

Na dinâmica das lutas, ficamos mais convencidxs de que a nossa forma de lutar sempre será colocada à prova, porque o processo histórico julga implacavelmente a legitimidade de nossa presença, ombro a ombro com a classe. O rechaço aos partidos políticos é um exemplo disso: é fruto da falta de referência que estas mesmas organizações construíram. Nós anarquistas não podemos ser responsabilizadxs por isto. Este entendimento exige a indispensável e profunda autocrítica. Todavia, fomos atacadxs por várias forças autoritárias, de direita e de esquerda, em suas incapacidades de sequer dar respostas e se fazerem funcionais no processo. Não entramos nestas querelas. O que precisamos é que nossa análise possa alertar para compreensão dos diferentes papéis e as táticas possíveis de luta, bem como apontar alianças sociais e ferramentas que ampliem as forças pela construção do Poder Popular. Faz-se necessário muita humildade, coesão, coragem e disposição para aprender na luta. Assim a classe faz tremer o poder dominador!

Neste sentido, ressaltamos a importância de sempre pensar/atuar com vistas ao curto, médio e longo prazo. Aqui situa-se o debate acerca da tática Black Bloc, que equivocadamente tem sido entendida como um grupo, movimento, etc. Trata-se de uma ferramenta de luta, que possui limitações, mas que deve estar a serviço da resistência popular frente às forças de repressão do Estado acionadas quando rompemos o controle mental e nos fazemos multidões nas ruas. Não esqueçamos que os aparelhos policial-militares de manutenção da ordem vigente fundam-se na astuta lógica do monopólio da violência “legítima” pelo estado em “defesa da sociedade”, mas que atuam contra esta mesma.

O ano 2014 mostra-se com fortes indicações de que terá conjuntura mais radicalizada, uma vez que ocorrerá a Copa do Mundo, será ano de eleições, haverá encontro do BRICS em Fortaleza a fim de criar seu banco, dentre outros fatores. Para este cenário, devemos tentar nos antecipar afim de garantir meios de reverter ganhos das lutas imediatas em conquistas políticas para a perspectiva do Poder Popular.

Devemos estar atentxs às outras formas de atuação e organização, porém não esquecendo as nossas experiências históricas, para não cairmos no erro de sempre começarmos do zero, tentando “reinventar a roda”. Não podemos nos furtar em dizer: o que aparece como novidade agora (ação direta, autogestão, federalismo, etc.) é herança histórica de nossxs companheirxs que deram suas vidas na luta por um mundo sem dominação e por isto tiveram abafadas suas vozes, invisibilizadxs sua história. E hoje vêm à tona estas imagens, em um período de grande desgaste desta falsa democracia, que nada mais é do que a atualização histórica da organização da violência dominadora.

Que nos preparemos mais e melhor para 2014, pois será um ano repleto de situações comuns a este contexto que apresentamos! Os mecanismos de controle e repressão estão sendo bastante calibrados para que o povo não perturbe o fluxo dos negócios neoliberais. A legislação antiterror também se faz simbólica neste sentido, pois consiste em mais um passo na criminalização das lutas sociais. Nossa força de luta deve ser maior para dar lições necessárias às elites! Precisamos de mais organização para fazer vencer e pôr-nos em movimento por um mundo sem dominação!

Não podemos recuar!
Fortalecer a resistência popular para realizar um bom combate!
Avante as/os que lutam!
Lutar, Criar, Poder Popular!
Vida longa ao anarquismo desde o Norte/Nordeste!

Assinam esta declaração:
Coletivo Anarquista Ademir Fernando (CAAF) – Bahia
Coletivo Anarquista Núcleo Negro (CANN) – Pernambuco
Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP) – Alagoas
Coletivo Libertário Delmirense (COLIDE) – Alagoas
Organização Resistência Libertária (ORL) – Ceará
Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC) – Pará

  Reunidas em Fortaleza, Ceará, nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2013.

[CAB] Chamada de solidariedade à Federação Anarquista Gaúcha

No dia 20 de Junho, cerca de 15 agentes da Polícia Civil arrombaram e invadiram o Ateneu Libertário Batalha da Várzea, espaço político social da Federação Anarquista Gaúcha localizado na cidade de Porto Alegre, e levaram diversos materiais. Os agentes não apresentaram mandato de busca e apreensão aos vizinhos que buscaram se informar do que se passava. Além disso, agentes à paisana buscaram prender uma companheira em sua casa nesse mesmo dia pela manhã.

Essa perseguição político-repressiva à FAG, ocorre justamente quando no Brasil acontecem diversas e massivas mobilizações por todo o país pela redução do preço da tarifa do transporte público. Ao mesmo tempo, temos enfrentado a mídia monopolista e os governos estaduais que tem tentado criminalizar os que lutam.

A FAG é uma organização política com 18 anos de existência pública. Ao longo destes anos nunca se escondeu, sempre manteve os espaços públicos com a realização de inúmeras atividades de ordem política e cultural assim como a atuação no campo popular e da esquerda gaúcha e nacional.

Desde nossa origem enquanto corrente política temos sido alvo da sanha repressiva dos patrões em conluio com o Estado. Há mais de um século temos resistido a todas essas investidas covardes, com o punho e a cabeça erguida e não será este episódio que irá afrouxar nossa combativa militância.

Responsabilizamos, por fim, os governos municipal, estadual e federal por mais este ataque covarde a nossa organização. Não nos intimidaremos e seguiremos empregando todos nossos esforços na construção de um povo forte, de um campo popular combativo que organize os oprimidos deste país e suas legítimas demandas.

Fazemos um chamado de solidariedade para que todas as organizações e movimentos sociais manifestem o seu apoio à FAG, colocando em coro o repúdio contra a criminalização das lutas populares e combativas que vem crescendo pelo Brasil.

Avante os que lutam/Arriba los que luchan!

Coordenação Anarquista Brasileira

Federação Anarquista Gaúcha responde ao Governador Tarso

http://www.youtube.com/watch?v=AnVmxtk4drI

Outras notas de solidariedade (nacionais)

Outras notas de solidariedade (internacionais)

  • Em breve

Assinam esta nota de Solidariedade (atualizado continuamente):

Coordenação Anarquista Brasileira

Movimento dos Trabalhadores Desempregados Pela Base – RJ

Organização Popular